quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

14) Um Jeito de Fazer Música

1. A chuva trouxe a água e levou a minha internet. Como sou desesperado sem internet. Assim que a conexão cai, começo a pensar no que fazer.

2. Minha primeira atitude é dar uma volta pela casa, sem destino certo, talvez abrir a geladeira, fitar as prateleiras vazias, a maçã murcha, o galão de água com cheiro de gengiva.

3. Depois vou para o violão. O violão funciona para mim como um refúgio, o meu não-lugar, o meu espaço no tempo. O tempo restaurado.

4. Começo por balbuciar alguns acordes, umas melodias na garganta. Vou fuçando as possibilidades harmônicas, rítmicas, melódicas, até encontrar algo que nunca tenha me visitado antes.

5. É quase de praxe começar pelo acorde de Lá menor. É um dos meus vícios. Curto também o Ré menor. O Si menor. Caso não seja menor, gosto do Sol.

6. Quando pinta uma melodia na minha garganta, que escape ao baixo do acorde, enxergo ali a porta de entrada; tenho nas mãos as chaves, ou as cordas do violão, ou cordas vocais, e minha cabeça vai se chafundando no inconsciente, nas ideias e assuntos que eu gostaria de falar (que eu nem sei, até aí, se gostaria), a melodia e o ritmo também darão o tom do discurso: pode ser que eu fale sobre mim, sobre algo que tenha acontecido comigo, sobre alguém, uma situação, uma crônica.

7. Cada vez mais busco a simplicidade, as palavras que veem sem suor, sem firula, o texto completamente oral, assim como as pessoas se comunicam.


8. Encontro a letra, ou melhor: o primeiro verso. O primeiro verso dá o tom. A partir daí construo os próximos. Dois acordes, três. Raramente, quatro. Tenho feito músicas muito curtas, de 1 minuto, 30 segundos. Às vezes três versos são suficientes, dois. Um verso potente, caso aconteça, pode ser o ideal.

9. Daí repito essa estrutura por uns 10, 20 minutos; deixando que meu corpo, meus pensamentos, a levada, o ritmo, a ocasião e o acaso decidam para onde a música deva ir. Às vezes pinta um outro verso, um novo acorde, uma mudança de tom.

10. Depois da música pronta, gosto de pensar no próximo passo: tipo, o que farei agora?

11. Gravar, uai. Utilizo um microfone ZOOM, desses de gravar cinema. Gravo direto nele, cantando todas essas repetições, no violão, ou no tecladinho Kashima, 10 minutos de gravação, dela usarei apenas 1 minuto.

12. No meio do registro, repetindo a música incessantemente, começo a me sentir mais à vontade, solto, relaxado  é mais do que necessário para alguém que não tem costume de cantar e desafina com a mesma facilidade que formigas têm de invetarem filas.

13. Recorto a melhor parte, insiro num programa de vídeo  tenho usado há mais de 4 anos o Sony Vegas Pro 11. Lanço a música na track, caço elementos na internet (ou que já estejam no meu pc; coisa que acontece se a conexão tiver desabado) que corroborem com a minha concepção de música Alonima. Os elementos passam por efeitos sonoros de filmes de ficção científica e terror, falas de monstros, articulações robóticas, sons de naves espaciais, coisas banais como passos de caminhada, aberturas de portas, barulhos de ventos, pios de pássaros. Daí crio uma mix bem simples, tosca, DIY, desses elementos.

14. Penso no clipe; ele deve ter no máximo 1 minuto já que a minha intenção é postá-lo no Instagram. Posso seguir dois caminhos para fazê-lo. O primeiro deles é pensar na história: como será, se uma narrativa linear, tal, e a partir daí tentar esboçá-la numa espécie de pré-roteiro, já pensando em como tudo se resolveria com as ferramentas que tenho  inclusive bastante precárias, mas que dou o maior valor por serem os principais responsáveis pela linguagem.


15. A segunda opção, e a que mais tem dado certo, é coletar material durante os dias, sem pensar muito que destinos eles terão. Pode ser uma filmagem enquanto estou no ônibus, uma leitura de um livro, um desenho criado, filmagens e fotos caseiras.

16. Tendo esses elementos em mãos, começo a criar o vídeo sem saber exatamente o destino, apenas entro no banco de dados Alonimo, coleto os materiais que juntei durante a vida, lanço-os na track de vídeo do Sony Vegas, vou trabalhando as imagens.

17. Existe um padrão de títulos com três letras, que sempre acompanha o vídeo, além do padrão de tempo, um minuto de música e vídeo, no máximo, e o padrão de elementos eletrônicos que mencionei antes, e agora, uso bastante os mesmos efeitos combinados com a cor natural e a estrutura também natural dos elementos coletados. Esperando que eles deem o tom do produto final.

18. Renderizo e já subo para o Insta, caso a internet venha à tona, e costuma acontecer. Subo independente da hora e do dia, geralmente na madruga.

19. A conclusão do trabalho me traz alegria e também uma pequena tristeza, pois o lance é o processo; o processo gera um tesão quase incontrolável, onde só bebo água, canto, toco, gravo, edito, pesco alguns biscoitos. Mas o incansável está sempre à cata de laçar outros desejos, músicas, textos, filmes, orgasmos.