O silêncio é um senhorzinho de muita idade. Tanta idade ele tem que chega a ser o mais velho senhor existente. Visto que o silêncio — como diria Arnaldo (não o Cézar Coelho) — foi a primeira coisa que existiu.
Esse senhorzinho tem nos dedos os mais variados calos, de todas as épocas, de todos os lugares. Tão consumido pelo tempo é o seu corpo que a mesma idade do tempo ele tem.
Segundo dados nem um pouco avançadíssimos de pesquisa, o silêncio anda tão fora de moda que já nem anda. Para ir daqui até ali, a bengala é de ótima serventia. Com a cautela herdeira da idade, o silêncio caminha atento para não se machucar com as quinas desavisadas, e usa um aparelhinho para escutar melhor. Resultado de uma vida inteira dedicada ao ouvir — esse verbo tão maltratado.
Sim, isso mesmo, o silêncio de que falo não é aquele sinônimo de ausência de som. O silêncio ouve, pois sabe a hora de se calar.
Breve amostra do silêncio: você está sentado em uma poltrona, lendo um livro de poemas, daqueles de arrebatar. Daí que você lê o último verso do melhor poema que aquele dia poderia ter lhe dado. Instaura-se um silêncio. Desse silêncio ouve-se a garganta engolindo em seco. A cabeça a borbulhar o indizível. Você ouve barulhos internos — do estômago? —, barulhos externos — o carro passando na rua, a geladeira roncando —, barulhos que compõem o silêncio. Um silêncio impactante, tão estrondoso como a algazarra de um vulcão desperto.
O senhorzinho silêncio anda tão fora de moda com o seu pulôver. Nada damos a ele. Nada parece ele merecer. Um E.T., de tão estranho que é. Tão anacrônico e desrespeitado. Desde a ascensão do Walkman até os dias do "Ligue o som" dos desesperados stories, o desrespeito só aumenta.
Tão fora de moda que o "ficar em silêncio" tem enlouquecido as pessoas. As pessoas se sentem solitárias em sua companhia.
Breve amostra do medo do silêncio: você quer deitar-se, dormir o sono dos justos, mas o medo de ficar em silêncio a consome, quando deveria ser o sono a bater à porta. Decide por colocar um barulhinho enquanto o sono não vem, o barulhinho é melhor companhia do que o silêncio.
O silêncio se tornou uma companhia indesejada como fora o reflexo para Narciso. Caso o silêncio tente dar os ouvidos por aí, há quem se reunirá em passeatas contra esse intruso ou apenas será, em contrapartida, um fiel defensor do barulho em toda e qualquer instância.
O silêncio parece uma planta que cresce do concreto, tentando resistir apesar de todo o entorno se vestir do contrário. Uma planta bonita, de verde vívido, mas dia a dia retirada sob a acusação de ser uma erva daninha.
Quando estamos na companhia do silêncio, podemos nos ouvir. É o que menos queremos no entanto. Esse senhorzinho ensina a ouvir o outro assim como a nós. No momento em que tudo parece gritar por atenção, o silêncio para, escuta e pensa naquilo que escuta.
O silêncio é generoso como são aqueles que sabem, apesar da dificuldade em caminhar, apesar da idade, apesar de todo o burburinho, que tudo terminará como começou.
Em silêncio.