Fuçando os meus parafusos e perguntando aos funcionários que trabalham na minha cabeça (sei que vocês os conhecem, um misto de arquivistas desorganizados e biógrafos auto-ficcionais), fiquei a par de saber o que é uma bicicleta.
"Senhor Diogo". Os meus funcionários me chamam assim, uma herança da hierarquia inútil. "Uma bicicleta é um veículo de duas rodas, por isso tem esse 'Bi'". Depois dessa pontual explicação, eu entendi, e não carregava mais dúvidas na minha garupa mental.
O que os meus funcionários não sabiam dizer é, quem ou que é Jota Jota? Para esse entendimento deixei-os de folga curtindo uma praia no sul da Bahia.
Conheci Jota Jota, ainda sob a alcunha de Geraldão, em meados de 2005, não sei.
Eu tinha uma banda, Playmobils, ele tinha outra, 4annex. Num dia louco aí, a gente dividiu o palco de um comício de um então vereador cego daqui de Beagá.
O 4annex era uma banda de hardpunkcore, sei lá, essas conjugações aí que o pessoal inventa, que tocava canções autorais em inglês. Tocar canção autoral era uma puta responsa. Eu não conhecia três ou quatro bandas naquela época, com uma faixa etária dos músicos entre 15 e 17 anos, que fazia isso. Certo, mas o que deixava o pessoal de cabelo com gel, era o tal do baterista. O baterista vocês já sabem, o baterista deles era, óbvio, o John Bonham.
Mentira, Geraldão é o seu nome.
O Geraldão tocava como toca alguém que é Keith Moon e Dave Grohl ao mesmo tempo, mas com precisão. A precisão era incrível. Depois de um tum-tá-tum-tá veloz, ele conseguia, com a tranquilidade de um gorila, cair no mais suave relaxamento sonoro. Aliás, o que eu me lembro do 4annex é essa justaposição entre o frenético e o calmo, muito pelas baquetas do Geraldão.
O tempo passou, as crianças cresceram, o vereador cego virou deputado, mas não recuperou a vista. Fui trombar com o Geraldão coisa de 7 anos ou mais depois. E desse encontro eu me lembro. Ele sentou na batera do Castelinho, a Pretinha (antiga vocalista do 4annex) sentou num banquinho com o violão nas mãos, e eu, de baixo em riste, suspendi os ouvidos, pronto, daí sapecamos um som.
Depois eu fui ter uma banda com a Pretinha, e o Geraldão foi ter uma banda com o Bil (que tocava comigo nos Playmobils e que também faria parte da banda com a Pretinha).
O segundo encontro antológico diz respeito a um macarrão com camarão e uma garrafa de Black Label.
Meu primeiro contato com o uísque foi bêbado, vomitável, mas bastante agradável. Descobri uma bebida que me deixava com o cérebro aceso. Ótima pra refrescar as piadas inteligentes. Dali pra frente, junto da Paulinha, eu teria pessoas com quem trocar uma ideia fina e amaciar uns gatos.
As pessoas também chamavam o Geraldão, vulgo Tiago, de J.J., no inglês. Eu abrasileirei pra Jota Jota, desde então é assim.
Agora a bicicleta e o Jota Jota se unem, pois o último me presenteou algumas vezes nesta vida curta que chega aos trinta anos. Entre camisas, bermudas, colagens, baralhos, videogames e chorume pra fazer planta crescer, ele me veio dessa vez com uma bicicleta: toma, Aloni, é sua.
Descobri que o pneu dianteiro, visivelmente furado, enganou o meu modo de ver as coisas, pois furado ele não estava. Demorou pra encher de tão vazio, mas serviu como cheio quando precisei ir até a Igrejinha dar uma volta hoje à noite.
Fui cauteloso, meio pelas beiradas como o pedal esquerdo que está pela metade.
Durante a pedalada saquei que se corre realmente daqui da república onde moro pra lá, não o contrário, já que esse é o sentido do vento, na volta eu o senti contra mim, e senti sozinho pois ninguém apareceu pela minha traseira.
Volto a pedalar todas as noites, esse álibi, substituto também saudável de minhas caminhadas a esmo por Beagá. Obrigado, Jota Jota, o presente com dez dias de antecedência e ainda na pós adolescência.
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