Pode ser que o mistério tenha definitivamente desaparecido e nem mesmo Hercule Poirot, com suas habilidades indiscutíveis, possa encontrá-lo.
Assim como não é mais possível trombar com um tigre-dentes-de-sabre na avenida Afonso Pena. Triste. E se o mistério estiver na cama de um hospital à espera do último suspiro? Quem vai atrás de salvá-lo da extinção? Parece que o Batman anda ocupado com as suas finanças.
Tudo isso virou assunto que não se toca, coisa do passado, poeira do tempo, máquina de escrever, relacionamentos duradouros, Cruzeiro na série A. Não é de hoje que esse ser que só mostra a metade do rosto tem vivido os seus finalmentes (e ainda bem que são vários). Não sei quando começou a derrocada do quase inominável. Convenhamos, quando não citamos o seu nome, alimentamos ainda mais o mistério.
Eu, como detetive freelancer, tenho algumas pistas que levarão à descoberta do fim do mistério. Abrindo meu caderno Tilibra com capa de surfista, eis as três pistas tingidas à caneta Bic:
Pista Número 1 - Mania de explicação da Internet.
Você sabe quem foi Hercule Poirot? O belga Hercule Poirot ou simplesmente Poirot foi um grande detetive fictício e protagonista da maioria dos livros de Agatha Christie, a dama do crime. Fonte: Wikipédia, levemente alterada.
Se fosse só até aí, tudo bem, só que de repente aparece um vídeo de 14 horas a dissecar (uma palavra importante) todas as teorias possíveis que cercam a vida e a morte de Hercule Poirot, com cento e dezesseis entrevistas com especialistas da literatura de Agatha e mais o Metaforando, trajando o seu elegante terno azul-marinho, analisando os minuciosos movimentos da rainha do crime e tirando dezenove conclusões ao quadrado do que comia, assistia, onde vivia, que jornal lia, e qual a bolinha de gude preferida de Herculinho, quando este tinha apenas seis anos de idade. E você já sabe isso tudo, sem ter lido um livrinho da Agatha Christie.
Não há mistério que sobreviva.
Pista Número 2 - Tudo é mostrado o tempo todo.
Acordei, deixa eu mostrar meu rosto sem maquiagem para provar que sou linda também sem maquiagem. Clique. Esse café da manhã tá dos deuses e muito fitness com essa granola de protagonista. Clique. Hora de trabalhar. Deixa eu mostrar meu macbook com a setinha do mouse sobre o botão de enviar do e-mail que enviarei para o meu chefe em Orlando. Clique. E agora bateu uma fome de arroz e feijão, mas sushi cai melhor com o foco correto na minha mão ao segurar o hashi com a mesma habilidade que Bruce Lee manuseava um nunchaku.
Não há mistério que não morra de inanição.
Pista Número 3 - Nem pode ser sumido mais.
O canto Belchior, autor de clássicos como Rapaz latino-americano, Divina comédia humana e Sujeito de sorte, reaparece no Uruguai depois de anos sumido.
“Eu sou apenas um velhinho laaaatino-americano seeeem dinheiro no banco, com amigos importaaaantes e intercâmbio no exterioooor."
Com o fim do mistério, acho melhor a nova edição do Aurélio vir sem essa palavra, para que a gente não se iluda que ele, sempre, há de pintar por aí.
Fiquemos apenas com o que ele um dia chegou a ser, como um melhor amigo que já não é mais. Ou com aquela música que vai tocar (ou não) na rádio e você precisa estar com a fita k7 em mãos para gravar. Diferente do status do MSN que já dizia se você estava feliz, triste ou ouvinte de Nirvana com 35 graus de sol – que é bem parecido com triste.
Fiquemos com aquele filme de terror realmente aterrorizante, e que apenas as pessoas que conheciam o valor do mistério te falariam as palavras exatas sobre ele, "Não vou contar nada. Só assiste, cara!". Bem diferente dos cinco trailers que passam todas as cenas do filme de forma embaralhada, e que você de frente para o computador diz: "Já sei tudo, nem vou assistir. Só fazer uma pipoquinha. Tô com uma fooome."
Com uma certa tristeza, confesso que o mistério está próximo do fim, e como disse lá em cima, à espera de seu último suspiro numa cama de hospital. Triste.
Mas... se ele está em um hospital, em qual? E se este meu diagnóstico de detetive freelancer estiver errado? Não sei as respostas para essas perguntas. Sou mal pago. Não sou Poirot.
No entanto, uma coisa fica: o mistério.
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