O meu primeiro contato com Os Ratos de Dyonelio Machado, um "livrinho" (como o próprio autor apelida em uma de suas entrevistas), foi lá por volta de 2006, quando eu havia conquistado o meu primeiro emprego e com isso tinha um salário que pudesse gastar com o que bem entendesse, ou melhor, com o que o dinheiro desse. Me lembro de comprá-lo junto de "A Grande Arte", do Rubem Fonseca. Da mesma coleção da Abril, "Clássicos da Literatura Brasileira", numa dessas promoções de livrarias de shopping, em que se você é paciente e atento, consegue achar pérolas em meio a acúmulos de papeis encadernados. Sempre fui mais leitor de Literatura Brasileira do que de qualquer outra. E é bom. O texto é sempre o original. Ainda mais eu: inglês afluente, espanhol desnecessário, francês de sutiã. Quando leio um autor brasileiro, não encontro cortina entre mim e o texto - que aqui chamarei de tradução. Estão lá as palavras que o próprio escritor escolheu para contar a história. E se a principal matéria-prima da literatura é a palavra, fico com a certeza de acariciar a lebre, não o gato. Nesse caso, acaricio os ratos. Um livro que conta a história de Naziazeno, um funcionário público metido em uma dívida com o leiteiro da sua cidade. Só isso. E todo o resto. Se você já leu algum manual de roteiro para cinema ou televisão, já sabe, sempre lhe ensinam resumir a história em apenas uma linha, a famosa storyline. Se a coisa funcionar nessa síntese, vale a pena destrinchá-la em argumentos completos, escaletas e pontos de virada. E em minha quinta leitura deste livrinho, ainda fico embasbacado com a habilidade do autor de contar, com uma linguagem direta e bem construída, na qual o narrador e o protagonista se misturam, sob um suspense de competir com o Alfred (não o mordomo). Thriller cabuloso, protagonizado por um funcionário público. Pérola achada num shopping, naquela que é, possivelmente, a pior livraria de todos os tempos. Poderia eu falar sobre muitos temas dentro deste livro; falar da dívida, da escassez, da urbanidade, da burocracia, da baixa autoestima de Naziazeno, da relação entre funcionários e empregados, da circularidade narrativa, do discurso indireto-livre, enfim, escolho porém a primeira impressão que tive, a da primeira leitura, daquela pós-shopping: sempre me pareceu que este livrinho é um livro policial.
O crime surge logo no início do livro, é a dívida com o leiteiro. Durante o miolo temos Naziazeno à procura de quitar esta dívida, como um detetive à cata das pistas que o levem a prender o assassino. Interessante pensar é que Naziazeno talvez seja o detetive e ao mesmo tempo o criminoso. Mas não ficamos apenas com essas similaridades com os romances policiais, como o crime do leite surgir no início da trama (e resolver no último capítulo), temos sobretudo a linguagem ágil da narrativa, presa pelo tempo presente do indicativo, aspecto que aparece em muitos romances policiais. O leitor se depara com as pistas cujo narrador dá a ele, e junto com Naziazeno, sai em busca da solução do crime, ou seja, em direção à quitação da dívida com o leiteiro. Prender o "criminoso" não seria prender Naziazeno, mas resolver o crime. Seria então não uma narrativa de crime perfeito, mas uma resolução perfeita, cuja justiça não se conclui ao punir um suposto criminoso, mas dando a ele a liberdade. Nesse sentido, a resolução, já seria o criminonso ter a sua sentença paga, seria a justiça final, quase cristã. Naziazeno, durante a busca por resolução do crime, também paga a própria sentença.
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