domingo, 10 de janeiro de 2021

19) Três Corações

Prisão de Alcatraz

Há coração escondido pelas costelas como se estas fossem grades de uma prisão de segurança máxima.

Há coração menos preocupado, que sai pelo buraco da fechadura enquanto a chave da porta se perdeu nos bolsos daquele short no fundo do cesto.

Há coração que deixa a porta escancarada e se entrega entusiasmado pelo mundo como se visitasse diariamente as pontes do rio Sena.

O primeiro só sai uma horinha por dia, para tomar banho de sol. Se segura ao máximo para não falar o que pensa, afinal pode ser retalhado. E, por esconder os desejos na garganta, está sempre com azia, com dores no estômago, tristezas sem porquês e olhando para os próprios defeitos como se fossem muros gigantes protegidos por arames farpados. 

O segundo bate forte quando o narrador grita gol, mas não tão forte que vá fazer o coração vizinho bater o interfone ou aquele gancho para a polícia. Derrama seu amor por pessoas próximas, os amigos e as amigas, namorados e namoradas; pelos pais ainda derrama amor em conta-gotas, em datas comemorativas, e acredita que a queimação do estômago seja herdeira do excesso de pernil comido no natal.

O terceiro bate forte tanto na arquibancada de um campeonato de escola quanto na primeira fila de um show da Ivete. Tem sempre uma história para contar na ceia e nunca abaixa os olhos para ver se está escapando pelas pernas. Não reclama de dor no estômago, porque nunca teve, e se pergunta "o que é estomazil?", deixando todos à mesa com a goela em chamas, desacreditados que ainda existam seres que não deram nenhuma bolinha num comprimido desses.

Tem coração que consegue dar uma voltinha no quarteirão, mas de tornozeleira. Vai até a esquina mais próxima, olha para todos os cantos, assustado, com medo de que o descubram fugindo, volta rápido para dentro de si, passa a noite inteira com insônia, dorme duas horinhas e acorda amedrontado com a autocobrança enroscada na própria canela.

Tem coração que dorme uma noite de sono mais ou menos tranquila, e só começa a bater forte quando tem sonhos com os pais em diversas situações, tanto ruins como boas. Acorda com a ajuda do despertador entre 9 e 10 da manhã, ainda sonolento, e chega quase sempre atrasado ao trabalho, com as desculpas querendo sair pela boca, mas controlada no centro da garganta.

Tem coração que dorme só de encostar a orelha no travesseiro. Acorda às oito horas, longe de qualquer ressaca moral, pronto para ir ao psicólogo uma única e última vez, só por curiosidade, já que pensou seguir a profissão de psicanalista – afinal gosta de gente. 

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