Prisão de Alcatraz |
Há coração menos preocupado, que sai pelo buraco da fechadura enquanto a chave da porta se perdeu nos bolsos daquele short no fundo do cesto.
Há coração que deixa a porta escancarada e se entrega entusiasmado pelo mundo como se visitasse diariamente as pontes do rio Sena.
O primeiro só sai uma horinha por dia, para tomar banho de sol. Se segura ao máximo para não falar o que pensa, afinal pode ser retalhado. E, por esconder os desejos na garganta, está sempre com azia, com dores no estômago, tristezas sem porquês e olhando para os próprios defeitos como se fossem muros gigantes protegidos por arames farpados.
O segundo bate forte quando o narrador grita gol, mas não tão forte que vá fazer o coração vizinho bater o interfone ou aquele gancho para a polícia. Derrama seu amor por pessoas próximas, os amigos e as amigas, namorados e namoradas; pelos pais ainda derrama amor em conta-gotas, em datas comemorativas, e acredita que a queimação do estômago seja herdeira do excesso de pernil comido no natal.
O terceiro bate forte tanto na arquibancada de um campeonato de escola quanto na primeira fila de um show da Ivete. Tem sempre uma história para contar na ceia e nunca abaixa os olhos para ver se está escapando pelas pernas. Não reclama de dor no estômago, porque nunca teve, e se pergunta "o que é estomazil?", deixando todos à mesa com a goela em chamas, desacreditados que ainda existam seres que não deram nenhuma bolinha num comprimido desses.
Tem coração que consegue dar uma voltinha no quarteirão, mas de tornozeleira. Vai até a esquina mais próxima, olha para todos os cantos, assustado, com medo de que o descubram fugindo, volta rápido para dentro de si, passa a noite inteira com insônia, dorme duas horinhas e acorda amedrontado com a autocobrança enroscada na própria canela.
Tem coração que dorme uma noite de sono mais ou menos tranquila, e só começa a bater forte quando tem sonhos com os pais em diversas situações, tanto ruins como boas. Acorda com a ajuda do despertador entre 9 e 10 da manhã, ainda sonolento, e chega quase sempre atrasado ao trabalho, com as desculpas querendo sair pela boca, mas controlada no centro da garganta.
Tem coração que dorme só de encostar a orelha no travesseiro. Acorda às oito horas, longe de qualquer ressaca moral, pronto para ir ao psicólogo uma única e última vez, só por curiosidade, já que pensou seguir a profissão de psicanalista – afinal gosta de gente.
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