O crime surge logo no início do livro, é a dívida com o leiteiro. Durante o miolo temos Naziazeno à procura de quitar esta dívida, como um detetive à cata das pistas que o levem a prender o assassino. Interessante pensar é que Naziazeno talvez seja o detetive e ao mesmo tempo o criminoso. Mas não ficamos apenas com essas similaridades com os romances policiais, como o crime do leite surgir no início da trama (e resolver no último capítulo), temos sobretudo a linguagem ágil da narrativa, presa pelo tempo presente do indicativo, aspecto que aparece em muitos romances policiais. O leitor se depara com as pistas cujo narrador dá a ele, e junto com Naziazeno, sai em busca da solução do crime, ou seja, em direção à quitação da dívida com o leiteiro. Prender o "criminoso" não seria prender Naziazeno, mas resolver o crime. Seria então não uma narrativa de crime perfeito, mas uma resolução perfeita, cuja justiça não se conclui ao punir um suposto criminoso, mas dando a ele a liberdade. Nesse sentido, a resolução, já seria o criminonso ter a sua sentença paga, seria a justiça final, quase cristã. Naziazeno, durante a busca por resolução do crime, também paga a própria sentença.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
37) O romance policial à maneira de Dyonelio Machado
O crime surge logo no início do livro, é a dívida com o leiteiro. Durante o miolo temos Naziazeno à procura de quitar esta dívida, como um detetive à cata das pistas que o levem a prender o assassino. Interessante pensar é que Naziazeno talvez seja o detetive e ao mesmo tempo o criminoso. Mas não ficamos apenas com essas similaridades com os romances policiais, como o crime do leite surgir no início da trama (e resolver no último capítulo), temos sobretudo a linguagem ágil da narrativa, presa pelo tempo presente do indicativo, aspecto que aparece em muitos romances policiais. O leitor se depara com as pistas cujo narrador dá a ele, e junto com Naziazeno, sai em busca da solução do crime, ou seja, em direção à quitação da dívida com o leiteiro. Prender o "criminoso" não seria prender Naziazeno, mas resolver o crime. Seria então não uma narrativa de crime perfeito, mas uma resolução perfeita, cuja justiça não se conclui ao punir um suposto criminoso, mas dando a ele a liberdade. Nesse sentido, a resolução, já seria o criminonso ter a sua sentença paga, seria a justiça final, quase cristã. Naziazeno, durante a busca por resolução do crime, também paga a própria sentença.
36) A liberdade é ser privado da liberdade
Acabei de reler O Estrangeiro do Albert Camus. Foi a minha segunda vez. Coloquei como primeiro livro de um Clube de Leitura que faço com um dos meus alunos de literatura. Ele tem o desejo de ler clássicos. Então sugeri que escolheríamos 10 livros, sendo 5 dicas de cada um. Coloquei O Estrangeiro primeiro porque é um livro relativamente fácil de ler. Com linguagem ágil ao mesmo tempo que nada ingênua. E o início é arrematador, o que ajuda a pregar o olho até o final. Pois bem, li em três tardes, e dessa vez, achei melhor que a primeira leitura. Mas aconteceu algo, não achei tão absurdo a segunda parte após o crime, que seria “o castigo”. Dessa vez as sentenças e a relação de Meursault com a sua prisão me pareceu mais concreta e realista, talvez porque o mundo real e atual esteja cada vez mais absurdo.
Não senti dessa vez que ele não tenha se importado com ser preso, o que vi foi a aceitação dos fatos, da realidade – ele até cita que, após a morte do árabe, iniciaria-se a sua desgraça. Foi interessante perceber que a acusação parecia incriminá-lo, sobretudo pela pela indiferença pela morte de sua mãe no início da história. De qualquer maneira, a questão da liberdade como a aceitação do absurdo me pareceu clara e justificável, tanto é que Meursault, próximo do fim, passou a aceitar e a querer estar privado da liberdade e se sentia feliz – certo que isso parecia absurdo, e possivelmente depressivo. Mas Meursault citava a felicidade em alguns momentos. Isso é uma coisa que talvez eu só tenha percebido nesta leitura, Meursault se sente feliz esporadicamente, apesar de ter uma relação estéril com os momentos, mesmo junto dos amigos: quando se encontrava com Marie, quando tinha epifanias na cela. O “tanto faz” que percorre toda a narrativa me pareceu dessa vez uma displicência, sim, como antes, mas não uma ausência de sentimentos. Pelo menos na segunda parte do livro, Meursault, mesmo que desiludido, vê algumas graças, embora em lugares perigosos, para-baixo. Mais tarde pretendo elaborar um trabalho de comparação entre este livro, Crime e Castigo e Na Colônia Penal.